segunda-feira, dezembro 04, 2006

Blues de Elevador

Estava completamente sem paciência de esperar o elevador. Havia aqueles moleques do 2º andar que apertavam todos os botões dos andares. Mas ainda esfolaria um deles, jurava baixinho para si mesma. Nunca teria coragem de dar se quer um beliscão, e sabia.6º ANDAR – marcava o indicador. Ela, cansada, faminta, carente – estressada, ainda tinha que carregar aqueles livros da faculdade, tão pesados àquela hora. Desejava um banho, massagem, comida na cama, um bom sexo e TV. Imaginava tudo ao mesmo tempo, enquanto olhava o marcador do elevador piscando, 5º ANDAR.“Bem que ele poderia estar dentro desse elevador, para então me pegar nos braços e me levar para casa, poderia usar e abusar...”, mas logo afastou de si esses devaneios. Sentia-se devassa. Gostava, sorria sozinha, mas logo se reprimia, pensando em outra coisa. E havia tantas coisas para pensar, tanto a estudar. Nem tocara no livro para ler sobre o assunto da prova de amanhã. Decidiu que não faria a prova. Não daria tempo de estudar tudo e não queria tirar nota baixa. Até que gostava da faculdade, mas essa coisa de morar sozinha dá um trabalho! É verdade que há a parte boa, a da liberdade. Poder trazer o namorado para dormir junto, ou as amigas para uma festinha. Mas de que adianta quando se está sempre só? Nem há um namorado para lhe fazer uns mimos; nem seu café na cama nas manhãs de domingo.Só tinha que cuidar de tudo, sozinha, cuidar da casa, das contas, e mais trabalho, faculdade... mal sobrava tempo para si mesma. Quanto mais para arranjar um namorado!“Melhor assim!!” Apertava os livros com os braços cruzados nos seios e batia o pé esquerdo no chão soltando um suspiro que lhe fechava o semblante. Enquanto não tirava os olhos do mostrador, 4º ANDAR. Agora decidira-se, chegaria em casa e não arrumaria nada. Deixaria os pratos na pia e as roupas pelo chão. Também não estudaria! Iria encher-se de sorvete com morango na frente da TV até desmaiar! Sim, pois com tanta glicose a sua hiperglicemia a mataria! “Que droga!” – deixara escapar mais um suspiro, não podia nem se distrair como outra mulher encalhada normal! Não! Não era encalhada, era independente. Isso! Mora sozinha, faz faculdade e trabalha, não precisa de nenhum homem para sustentá-la. E nem queria isso!“E esse maldito elevador que não chega logo!” 3º ANDAR.Ah! Se ela encontrasse aqueles pestinhas no elevador... De hoje não passariam! “Como os pais poderiam deixar isso acontecer?! Absurdo! Elevador não é lugar para criança brincar! Lugar de criança é no forno!”. Pensou, e assustou-se com a crueldade de sua imaginação. Por um momento, pelo choque talvez, acalmou-se. Mas, teria sido mesmo o espanto, ou a violência que a acalmara? O ser humano é mesmo cruel desde o nascimento – constatara! Vejam só as crianças brincando no elevador bem na hora que ela precisava subir para sua casa! 2º ANDAR.Cansada, faminta... Não conseguia controlar-se, assumia para si, com um choramingo até infantil, estava carente. Precisava sim de um homem. Tinha a certeza de que só estava assim, irritada, por culpa dele que não a queria. Mas nem sabia quem era ele, na verdade ele nem tinha um nome ou um rosto. Existia. Apenas não havia se revelado ainda. “Como sou doida, fico aqui imaginando um homem que nunca vi. E ainda o quero tanto!”.Sentia-se bonita, e era! Gostava da inveja que causava em suas amigas, sentia-se desejada por elas. Sorria sozinha ao lembrar de uma cena onde descobrira isso, um dia no clube. Também sabia que era inteligente, talvez ela fosse séria demais e acabasse espantando possíveis pretendentes. Mas não suportava aquelas ‘cantadas prontas’. Achava-as ridículas! E só de pensar que nem isso ela tinha ouvido ultimamente já voltava a ficar de mau humor.1º ANDAR. Pelo menos o elevador já estava chegando e ela poderia entrar em casa, jogar tudo no chão e ir para o seu banho – quase um ritual. Adorava um banho demorado, deixava o player ligado no quarto, uma música envolvente em alto volume, acendia um incenso relaxante, sentia a água quente nos cabelos, e escorrendo pelas costas. Chegava a fechar os olhos, desejando. Ah! Como seria bem melhor se estivesse acompanhada... “Não! Não seria!”.Olhou o relógio, 22:58, já havia mais de 5 minutos que esperava o bendito elevador. Impaciente, ela batia o pé esquerdo no chão fazendo um estalo periódico que acompanhava o ponteiro dos segundos. O mostrador na parede, do qual os olhos não desviavam, também piscava no mesmo ritmo, e ainda, junto com o coração, tudo em um mesmo tic-tac metódico. Enquanto ela, perdida em pensamentos distantes, começava a cantarolar instintivamente, usando a melodia para relaxar.Absorta, nem percebera o aviso no marcador: TÉRREO. Sentiu apenas a porta abrindo-se e batendo na ponta do seu pé, machucando-o. Soltou um gemido discreto de dor, mas não controlara um olhar fulminante para o seu algoz: o rapaz do 4º andar.Esqueceu-se da dor, do cansaço, da fome, do estresse. Havia tempos que não o via no prédio. Ele desculpou-se após um "boa noite" mais formal do que ela desejara. Entrou no elevador enquanto ele saía, tentava. “Não saia, venha até a minha casa!!”, ela apenas pensara enquanto, distraída, o atrapalhava de sair. –“Desculpe-me...”, ele agradeceu com um sorriso. Ela derreteu-se. Mas voltou à realidade assim que a porta do elevador bateu, com um ruído seco, próxima ao seu rosto. Apertou o seu andar enquanto maldizia aquele blues de elevador tocando. Todos os dias a mesma música, parecia de propósito para atiçá-la. A porta abriu-se novamente... Era ele, parece que esquecera algo e teria que voltar em casa. Sabia que ele também morava sozinho. Apertou o seu andar, 4º, olhou para ela com um sorriso tímido que não foi percebido. Na verdade, ela percebera sim, mas fingira não ver. Não queria demonstrar o que estava sentindo. Sua imaginação estava em freqüência máxima. Ambos olhavam em volta, os olhares cruzavam-se e divergiam envergonhados. Ou fingiam. Seguiam calados, enquanto o blues já não soava tão triste.
(Autor: M.I)
ps! Esse texto foi descaradamente copiado por mim, sem a prévia autorização do autor mas eu gostei tanto que não pude resistir.

3 Comments:

At 11:45 AM, Anonymous Anônimo said...

Bonito texto mesmo e bonito "negrito" no autor do texto abaixo. :)

 
At 3:47 PM, Blogger [εïз]imprisoned butterfly said...

Que bom que vc gostou! Eu tb gosto muito! =]

 
At 5:04 PM, Anonymous Anônimo said...

uhuu... show de bola! manda o blog do cidadão preu aumentar a minha rede!! adoro blogs, cê sabe, e esse texto tá massa! menos alguns andares pra ela e mais uns pra ele, e poderia ser eu a protagonista!! beijoo! ah, Nati... a gente vai fazer residência juntas!! hahaha!

 

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